Triciclo transforma vidas
Eduardo Lima
| 24-11-2025

· Equipe de Veículos
São 6h45 no bairro La Perseverancia, e a cidade ainda se livra do frio da noite. Uma mulher com colete amarelo vivo pedala firme pela ciclovia molhada pela chuva, seu trailer de carga zumbindo suavemente atrás dela.
Dentro: 120 pães frescos, duas caixas de frutas e uma garrafa térmica de café. Ela não tem carro. Nem precisa. O que ela tem é melhor — um triciclo elétrico, sua loja móvel, seu sustento, seu caminho para frente.
Em Bogotá, onde a cidade passou duas décadas construindo uma das redes de ciclovias mais ambiciosas do mundo, uma transformação silenciosa está acontecendo. Não se trata apenas de pessoas se deslocando de bicicleta.
É sobre pequenos vendedores — padeiros, floristas, comerciantes de frutas e verduras — que estão trocando mochilas sobrecarregadas e riquixás movidos a gasolina por triciclos elétricos. E isso está mudando tudo.
A ascensão do triciclo elétrico
A famosa ciclovia de Bogotá — mais de 600 quilômetros de faixas protegidas — foi construída para pessoas, não para caminhões de entrega.
Mas à medida que a cidade restringiu carros nas áreas centrais e expandiu a infraestrutura para bicicletas, surgiu uma lacuna: como os pequenos negócios poderiam transportar mercadorias sem contribuir para o congestionamento ou a poluição?
Entra o triciclo elétrico. Essas bicicletas de carga de três rodas, movidas por motores elétricos silenciosos e baterias recarregáveis, já são comuns nas ruas secundárias e áreas de mercado. Podem transportar até 200 quilos, percorrer 50–70 quilômetros com uma única carga e custam a partir de US$ 2.500.
Para muitos vendedores, a cidade e programas sem fins lucrativos oferecem até subsídios, reduzindo o preço pela metade.
Diferente de motos ou riquixás antigos, eles são de baixa emissão, silenciosos e permitidos em ciclovias e zonas de pedestres em determinados horários. Isso significa que os vendedores podem alcançar clientes em bairros mais afastados, evitar multas de trânsito e reduzir o esforço físico.
“Antes eu alugava um riquixá por 15 dólares por dia”, diz Carlos Méndez, que entrega verduras no sul da cidade. “Agora eu tenho meu triciclo. Carrego em casa, gasto menos de um dólar por dia para rodar, e não fico mais tossindo com o escapamento.”
Política que encontra sustento
Essa mudança não aconteceu por acaso. A política urbana “bike-first” de Bogotá, acelerada por prefeitos recentes, inclui apoio específico para bicicletas de carga. Em 2022, a cidade lançou o programa Triciclos Verdes, oferecendo subsídios de US$ 1.200 a vendedores informais que migrassem para modelos elétricos.
A prioridade foi para mulheres, idosos e pessoas em áreas de alta poluição.
As regras são claras: os veículos devem ser movidos a força humana com assistência elétrica (não totalmente motorizados), seguir as normas das ciclovias e estar registrados na cidade. Em troca, os ciclistas têm acesso a vagas de estacionamento designadas, treinamento em manutenção e inclusão em zonas de entrega oficiais próximas aos mercados.
Os resultados? Mais de 1.800 triciclos elétricos já foram distribuídos, com planos para 5.000 até 2026. Uma pesquisa de mobilidade de 2023 revelou que 78% dos beneficiários relataram aumento nos ganhos diários — em média, 8 dólares a mais por dia — graças à redução de custos e à expansão do alcance de entrega.
Design que funciona na vida real
O que torna esses triciclos eficientes não é só o motor — é o design pensado.
A maioria dos modelos usados no programa inclui:
- caixas de carga modulares — à prova d’água, trancáveis e fáceis de trocar entre pães, frutas ou flores;
- quadros de baixo acesso — permitindo subir e descer facilmente, mesmo com carga;
- luzes de LED e refletores — essenciais para manhãs cedo e dias de chuva;
- baterias intercambiáveis — para que os vendedores continuem rodando enquanto uma carrega.
Muitos vendedores personalizam ainda mais: adicionam capas contra chuva, pintam o nome do negócio nas laterais ou instalam pequenas prateleiras para troco. Para alguns, é a primeira vez que têm uma presença visível e profissional na rua.
No mercado de Usaquén, a florista María Duarte usa seu triciclo para entregar buquês num raio de 5 quilômetros. “Antes, eu só conseguia vender em um lugar”, diz ela. “Agora vou a escritórios, casas e até pequenos eventos. Meus clientes me conhecem, veem minha bicicleta e acenam.”
Mais que um transporte
O triciclo não é apenas um meio de transporte — é dignidade. Reduz o esforço físico de carregar cargas pesadas por horas. Oferece uma saída da economia informal de aluguel, onde o dono ficava com parte dos ganhos diários.
E dá aos vendedores a sensação de posse: este é o veículo deles, o negócio deles, a rota deles.
Bancos locais perceberam a novidade. Alguns agora oferecem microcréditos específicos para bicicletas de carga elétricas, com prazo de até dois anos. Oficinas de manutenção treinadas para triciclos surgiram em bairros populares, gerando novos empregos.
Até o seguro está se adaptando. Novas apólices cobrem perda de carga, roubo e pequenos acidentes — algo antes indisponível para vendedores informais de rua.
Um modelo de mobilidade
A abordagem de Bogotá mostra que design urbano sustentável não precisa sacrificar meios de sustento. Quando as cidades constroem infraestrutura pensando em todos os usuários — não apenas nos ciclistas — todos se movimentam melhor.
Outras cidades da América Latina estão de olho. Medellín e Quito testam programas semelhantes, avaliando como bicicletas de carga elétricas podem servir bairros densos e com relevo acidentado, onde carros têm dificuldade de transitar.
De volta à rua, o rush da manhã está diminuindo. A padeira tranca seu triciclo em um local designado, limpa as mãos no avental e conta o dinheiro. Ela não precisou vencer o trânsito. Nem precisava. Ela seguiu com ele, de forma silenciosa, firme e no seu próprio ritmo.
Da próxima vez que você ver um triciclo deslizando por uma ciclovia, não pense apenas em “ecológico”. Pense em resiliência. Pense em reinvenção. Pense na pessoa por trás do volante, construindo uma vida melhor — um pedal de cada vez.