Roupa limpa, planeta sujo?
Gabriel Souza
| 10-10-2025

· Equipe de Astronomia
Sempre dá uma sensação boa tirar roupas limpas e quentinhas da secadora. Camisas cheirosas, toalhas macias e aquela recompensa silenciosa de concluir uma tarefa.
Mas há uma parte desse processo em que quase nunca pensamos — o que vai pelo ralo. E acontece que o ciclo de enxágue pode estar fazendo mais mal do que bem.
Toda vez que lavamos roupas sintéticas — como leggings, jaquetas de fleece ou até sua camiseta de academia favorita — elas soltam minúsculas fibras plásticas. São invisíveis a olho nu, mas não inofensivas. Essas microfibras passam pelos sistemas de esgoto e acabam em rios, oceanos e até na comida que consumimos.
Não parece um problema óbvio, e é justamente por isso que é tão difícil de combater. Mas, quando você descobre o que realmente acontece na sua rotina de lavanderia, fica surpreendentemente fácil começar a fazer mudanças que fazem diferença.
O que são microfibras — e por que você deveria se importar?
Grande parte das roupas modernas é feita com fibras sintéticas — como poliéster, nylon ou acrílico. Elas são baratas de produzir, duráveis e não amassam facilmente. Mas também são plástico. E, como todo plástico, não se decompõem naturalmente.
Quando esses tecidos são agitados na lavagem, soltam fios microscópicos. Uma única máquina cheia de roupas pode liberar centenas de milhares de fibras — alguns estudos apontam mais de 700 mil. Essas microfibras são pequenas demais para serem retidas pelos filtros comuns, então seguem direto da sua máquina de lavar para os cursos d’água locais.
Uma vez no ambiente, elas atraem toxinas, são ingeridas por peixes e plâncton e acabam subindo na cadeia alimentar. Cientistas já encontraram fibras plásticas em sal marinho, água potável e até no sangue humano. Ou seja, não é só um problema da vida selvagem. É pessoal.
Por que sua máquina de lavar não está ajudando?
Você poderia pensar que uma máquina moderna ou de alta eficiência daria conta disso, certo? Mas não é bem assim.
A maioria das máquinas, mesmo as mais novas, não foi projetada para filtrar microfibras. Seus filtros foram feitos para fiapos, não para partículas mais finas que um fio de cabelo. E, por serem sintéticas, essas fibras se comportam mais como poluentes do que como materiais naturais.
Alguns países já começaram a criar leis exigindo filtros em novas máquinas de lavar. A França, por exemplo, já aprovou uma legislação que obriga o uso desses filtros. Mas, por enquanto, na maior parte do mundo, a responsabilidade recai sobre nós — quem está lavando as roupas.
Pequenas mudanças que fazem grande diferença
Você não precisa trocar todo o seu guarda-roupa ou parar de usar a máquina de lavar. Mas pode adotar medidas práticas para reduzir a poluição por microfibras.
1. Use sacos ou bolas de lavanderia que capturam microfibras
Produtos como a bolsa Guppyfriend ou a Cora Ball foram desenvolvidos para reter fibras durante a lavagem. Basta colocá-los dentro da máquina junto com as roupas. Eles não são perfeitos, mas podem reduzir bastante a liberação de fibras — em alguns casos, em até 50%.
2. Lave com menos frequência
Pode parecer estranho, mas a maioria das roupas não precisa ser lavada a cada uso. Lavar apenas quando realmente necessário diminui a quantidade de fibras liberadas — e ainda prolonga a vida útil das peças.
3. Lave cargas completas em ciclos frios e delicados
Níveis altos de água e muita agitação aumentam o desgaste dos tecidos. Lavar a máquina cheia ajuda a reduzir o atrito entre as roupas. A água fria também é mais suave e consome menos energia.
4. Instale um filtro na máquina de lavar
Se quiser uma solução mais permanente, existem filtros externos que podem ser conectados ao sistema de drenagem da sua máquina. Eles retêm fisicamente as microfibras antes que cheguem à água residual. Alguns modelos exigem instalação profissional, mas outros podem ser colocados em casa.
5. Escolha tecidos melhores na hora da compra
Na próxima vez que for comprar roupas, olhe a etiqueta. Tecidos como algodão orgânico ou Tencel soltam muito menos fibras sintéticas. Peças com menos poliéster também já são um bom começo.
E quanto às secadoras?
Curiosamente, as secadoras não são uma grande fonte de poluição por microfibras — pelo menos não da mesma forma. Os filtros de fiapos retêm boa parte das partículas, e o restante não chega aos cursos d’água. Mas ainda há o risco de fibras se espalharem pelo ar.
Por isso, é importante limpar o filtro de fiapos regularmente e fazer a manutenção adequada da saída de ar.
Isso não é só um problema do consumidor
É tentador achar que tudo depende apenas de nós. E, sim, nossas escolhas fazem diferença. Mas a responsabilidade maior está com fabricantes e governos. As marcas podem desenvolver roupas que soltem menos fibras. Os fabricantes de máquinas podem criar filtros mais eficientes.
E os governantes podem estabelecer normas que diminuam a poluição na origem.
Algumas universidades e laboratórios já estão estudando soluções — como revestimentos para tecidos que evitam o desgaste ou novas formas de fios que permanecem intactos após dezenas de lavagens. É um campo promissor, mas ainda em desenvolvimento.
Até lá, suas escolhas individuais importam mais do que você imagina. Multiplique seus hábitos semanais de lavanderia pelo número de pessoas no mundo fazendo a mesma coisa, e a dimensão do problema fica clara.
Tudo começa na lavanderia
O curioso é que geralmente associamos poluição a vazamentos de petróleo ou montanhas de lixo. Não a dobrar meias ou lavar roupas de academia. Mas o impacto ambiental nem sempre vem de grandes acontecimentos. Às vezes, vem das rotinas silenciosas — aquelas que repetimos toda semana sem pensar.
Da próxima vez que for encher a máquina, faça uma pausa por um segundo. Será que dá para usar um saco ou filtro? Será que aquele moletom de fleece não poderia ser usado mais uma vez antes da lavagem?
A resposta para a poluição por microfibras não virá da noite para o dia. Mas ela pode começar na sua lavanderia. Uma carga de roupa de cada vez.